O historiador Eric Hobsbawm, em seu “A Era dos Extremos” (1994), fez uma preocupante, mas acertada, previsão sobre o século XXI. Para ele, o mundo do terceiro milênio certamente continuará a ser marcado pela violência na prática e nas transformações políticas. “A única coisa incerta é o lugar para onde elas vão nos levar”, vaticinou.
Quase 20 anos mais tarde, somos testemunhas de uma época marcada pela violência, na qual os extremismos vêm apresentando crescimento constante, desde os 1990, impulsionados agora pela crise financeira global. Parece que entramos em uma máquina do tempo, que nos projetou de volta ao período do Entre-Guerras.
O crescimento exponencial do extremismo, tanto de esquerda quanto de direita, é um fenômeno global. Repare a leitora que eles não são opostos, mas sim fruto de uma mesma visão de mundo totalitária, na qual o indivíduo é mero instrumento para a glória do Estado e da Nação. A eles opõem-se os liberais, que põem o foco no indivíduo como ser autônomo e no valor da dignidade intrínseca a cada a ser humano. O Estado deve servir ao indivíduo e não o oposto.
No Brasil o extremismo cresce a olhos vistos. Black blocs, MST, crime organizado, etc. As conexões políticas são conhecidas, e o ambiente é o de uma guerra civil. Mas não é tão fácil ligar os pontos, no caso brasileiro, não só porque, em nossa cultura, as posições ideológicas são mais tênues e tendem a borrar-se em colorações amalgamadas, mas também pelas características do próprio sistema presidencialista. O sistema presidencial força o bipartidarismo, sufocando as correntes políticas em dois grandes grupos, assumindo assim feições maniqueístas. Me parece um sistema fadado ao fracasso em mundo pluralista e em constante transformação.
Na Escandinávia, marcada por sistemas parlamentaristas, o jogo é mais claro e estimula o multipartidarismo, com as principais correntes político-ideológicas encontrando alguma forma de voz no Parlamento. Neste post pretendo apresentar uma visão geral do extremismo na Escandinávia, que acredito ser útil para que a leitora possa comparar com a situação no Brasil e ver que o nosso país não é um caso isolado. Espero que a ajude a separar o joio do trigo.
O fato mais marcante quando se analisa o extremismo político aqui, e no Norte da Europa em geral, é o seu recrudescimento constante a partir de meados dos anos 1990. Em geral herdeiros de partidos de protesto, na direita, ou do velho comunismo, na esquerda, as agremiações extremistas procuraram adotar uma feição mais palatável para o eleitorado de centro, relegando as atividades de contestação pela violência para entidades pára-políticas e/ou criminais, sem conexão formal com os partidos. Os partidos extremistas têm uma cara bonita e recusam conexão explícita com a bandidagem.
A tática dos partidos de orientação democrática vem sendo o de isolar as agremiações extremistas no jogo parlamentar. Esses partidos teriam, assim, representação no parlamento, mas não influência política, dado que os outros partidos se recusavam a negociar com eles. Esperava-se que não chegassem a formar um governo, em coalizão com outras agremiações. Como a leitora pode perceber, a não ser que o extremismo fosse fogo de palha, trata-se de um caso clássico de tática sem estratégia.
O primeiro país onde esta tática ruiu foi na Dinamarca. O Partido Popular dinamarquês (DF, na sigla local), cuja principal bandeira é o controle migratório, serviu de base de sustentação de um gabinete de minoria, formado em coalizão entre o Partido Liberal e o Partido Conservador, entre 2001 e 2011. O preço para a consolidação da maioria parlamentar foi a entrega do controle da política de imigração para o DF. Hoje, a Dinamarca é um dos países mais fechados para a imigração do mundo. Nas eleições de 2011, o DF fez 12,3% dos votos, consolidando-se como a terceira maior agremiação do país, atrás apenas dos partidos Liberal e Social-Democrata. O resultado apresenta um crescimento considerável dos 7,4% feitos em 1998.
Em 2011, o governo liberal-conservador da Dinamarca deu lugar à uma coalizão de centro-esquerda, entre o Partido Social-Democrata, o Partido Popular Socialista e o Partido Radical, na qual a agremiação de extrema-esquerda Lista Unitária (E, na sigla em dinamarquês), desempenha papel semelhante ao DF no governo anterior. A E fez 6,7% dos votos, em 2011. Somados aos votos do DF, vê-se que 19% dos eleitores dinamarqueses votaram em partidos extremistas.
O segundo país nórdico em que a tática de isolamento parlamentar ruiu foi na Noruega. As eleições do outono deste ano levaram a formação de um governo de coalizão entre o Partido da Conservador e o Partido Progressista, este uma agremiação de orientação populista e nacionalista. O partido é atualmente o terceiro maior da Noruega, com 16,3%, uma queda em relação às eleições de 2005 e 2009, quando o partido fez 22,1% e 22,9%, respectivamente, e se consolidava como o segundo maior partido do país. O apoio à agremiação recrudesceu muito depois dos atentados de Utøya em 2011, dado que o perpetrador, Anders Breivik tinha ligações com o partido, sendo membro oficial até 2007. Desnecessário dizer que a formação de um governo com o Partido Progressista vem gerando muita controvérsia na região. Especula-se, também, que o partido tenha ligações com o grupo neonazista “Amanhecer Dourado”.
A tática de isolamento parlamentar, por outro lado, segue surtindo efeitos na Suécia. O Partido Democrada Sueco (SD, na sigla local), de extrema-direita nacionalista, fez 5,7% dos votos nas eleições de 2010, e vem sendo isolado tanto pelo governo liberal-conservador de Frederik Reinfeldt, como pela oposição verde-vermelha. Esta, por sua vez, é mais aberta a colaborar com o Partido da Esquerda, com raízes no extinto Partido Comunista. A questão é por quanto tempo a tática de isolamento ainda vai funcionar por aqui, já que haverá eleições no ano que vem, e as pesquisas vêm apontado um crescimento do SD da ordem de 16% das intenções de voto, que, em se verificando na realidade, alçará o partido à condição de terceira agremiação política na Suécia.
Neste final de semana, o SD realizou o seu último congresso anual antes das eleições do ano que vem. Na ocasião, o líder do partido, Jimmy Åkesson, portou-se como um estadista e apresentou seu partido como a única agremiação verdadeiramente de oposição na Suécia. A linha do partido é, principalmente, de uma política mais rígida de imigração e de ceticismo com relação à União Européia. Åkesson vem tentando levar o partido um pouco mais para o centro do espectro político, através de uma política de tolerância zero contra membros que cometam ofensas de cunho racista ou homofóbico, o que não é incomum.
No mesmo final de semana que o SD realizava seu congresso, o Partido Sueco, organização neonazista sem representação no Parlamento, vandalizou cerca de 40 prefeituras e redações de jornais, sob a justificativa que eles faziam “propaganda contra os suecos”. Acredita-se que a agremiação mantenha ligações com o SD. Nos mesmos dias, a polícia encontrou armas ilegais com membros do Fronte Revolucionário, organização de extra-esquerda, que defende atos de vandalismo, ao estilo black bloc. Os membros do fronte disseram à polícia que precisam se proteger contra agressões da extrema-direita.
Diante deste quadro, a leitora poderá concluir que a questão do extremismo político, da violência e do vandalismo, ademais de complexa, é global. A maneira de enfrentar o extremismo e a violência é, conforme disse o então Primeiro Ministro norueguês, Jens Stoltenberg, por ocasião dos atentados de Utøya: “mais democracia e mais transparência”.
Por isso é importante que a leitora saiba diferenciar quem é quem no jogo político brasileiro e dê o seu voto em 2014 para aqueles que realmente defendem a democracia, a transparência o funcionamento impessoal das instituições. Desnecessário dizer que esta não é a agenda do Partido dos Trabalhadores.
– Em política, quem vê cara não vê coração.